quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Semana 7

O dia já ia longo e a fome apertava,
Mas reuni forças, liguei-te e fiz-te uma pergunta:
“Olha lá, quando é que vens ter comigo”, perguntei, numa voz que afrontava.
E tu, imagino, espantada como se tivesses visto um mamute,
Depois de tirares o nariz de uma qualquer embalagem de iogurte,
Respondeste em disputa: “É surpresa!”
Ai, pensei, só espero que não coincida com os dias da minha!

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Semana 6

1
Diria que são cristalinas, pedaços alvos lá do alto,
Mas no escuro soam a projécteis que fustigam a janela.
Contudo, de cabeça encostada ao vidro,
Fico hipnotizado naquele embalo desperto,
Um repto apaziguador, que numa magia ancestral
Sinto que se acendesse uma vela
Não era eu mas muitos outros,
Um ser imortalizado nas malhas do que é humano.

De repente, Zeus exibe a sua magnificência e um clarão
Ao mesmo tempo tão puro, tão quimérico, ilumina tudo.
Neste estado límbico, imagino aquele brilho como uma fotografia
E do lado de fora, quem pudesse captar este momento
Viria as gotas que escorrem pela transparência
Como minhas e de mais ninguém.
Outro raio, em forma de pensamento.
Lembro-me, e parece-me distingui-lo perfeitamente,
De um agricultor que recolhe ao calor do seu lar,
Deixando a ordem natural das coisas acontecer, em paz,
Para meses depois colher o seu sustento.

2
Ontem, um sentimento novo,
Quando te vi senti-me triste.
Estavas deslumbrante, como sempre,
Mas não consegui evitar uma certa tristeza.
Com o que se tem passado, o que ouviste,
O que ouvi, não tanto o que dissemos.
Talvez seja somente um mecanismo de defesa.
O que sei é que quando te vejo
O meu coração bate forte
E descontroladamente. E não tenho pejo
De afirmar que só se acalma
Quando desvio os olhos do ecrã.
(Outros confundiriam com timidez,
Embaraço ou mesmo indiferença.
Tu reparas e baixas os olhos.)
Porque o coração não se alimenta de imagens mas de ideias.
E a ideia de te ver e não poder
Abraçar e beijar é insuportável.

Desliguei a pensar nisto
E podia ter-me afundado
Mas o teu “até amanhã” ecoou mais alto.
É verdade, amanhã, depois de amanhã, futuro,
Nós!

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Semana 5


De tanto escrever para ti,
Um dia menos bom, chateado comigo mesmo,
Sentei-me e resolvi as coisas com a caneta.

_____________


A tarde macia devora-me os sentidos,
Num expoente máximo e revigorante
De uma existência de ausência.

Tudo o que é prende-me
E eu nada sou.

Caio frágil como aquela folha
E corro lado a lado com o vento
Que a comanda.

Voo com aquele pássaro,
Enquanto me amarra o canto daquele ali.

Esta árvore parece-me um espelho.
E aquelas nuvens ali um reflexo.

A lua olha-me de esguelha.
O sol foge.
E eu que parado não sou nada…

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Semana 4


Ontem vi-te pela primeira vez desde que partiste.
Estavas perfeita!

 
E agora não digo mais nada porque está tudo dito.
Ora, quem disse que a poesia não podia ser simples?
Tu hoje és a poesia, a minha poesia.
Aqueles dois versos estão perfeitos assim, sem adereços ou ruído.
E acrescento, quando os escrevi,
Encostei-me na cadeira e foi como se tivesse lido
Os Lusíadas de uma só assentada, o meu coração fazia
Rimas com a minha mente, tão em sintonia estava eu com as palavras.
Fecho os olhos e imagino-te.
Sim, a poesia é simples!


sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Semana 3



Piscava. Eu juro que piscava!
E a sua luz era tão intensa
Que quando se apagava eu sentia
Que o chão me fugia e iniciava uma queda livre!
Isto apesar de estar um escuro cerrado
Que para além de mim - que curiosamente não via -
Só existia aquela luz vermelha intermitente.
Não , não me consigo mexer!
(E no escuro completo faz sentido?)
Apenas me irrita aquela coisa desafiante,
Que me controla e paralisa.
Quero alcança-la, comanda-la, tê-la
Uma possibilidade qualquer que me faça sentir menos perdido.
Mas eu sou a marioneta. Nada consigo fazer, sucumbo.

Piscava, piscava, com vigor!
Mas quanto mais a olho mais me parece um chamamento.
Não tanto pelo seu carácter ofuscante, mas pelo seu poder.
Cerro os dentes e, ai!, quando vou dar o primeiro passo
A luz apaga-se e desequilibro-me no vazio.
Volto onde estava… Onde? Não sei

Piscava, piscava.
E eu diria que a vejo como um desafio pueril.
Dou o primeiro passo destemido,
De frente, com os olhos de tal maneira temerários
Que os imagino duas luzes vermelhas quase de igual intensidade.
Fecho os olhos, concentro-me enquanto a luz não volta a acender,
E depois dou o meu segundo passo.
Terceiro. Quarto. Quinto…
Estou tão próximo que me dá um aperto no peito,
Um aperto benévolo e didáctico, ao lembrar-me da minha prostração
Perante este jogo de crianças.
Agora já sou eu que comando, as regras tornaram-se minhas.
Estou quase. Vou apanha-la… Caio como num desmaio

Sentado num pequeno muro, vejo à minha frente um pequeno lago,
Uma imagem bonita e familiar que me apazigua.
Quando me recosto sobre os braços,
Sinto imensas formigas a subirem pelo meu corpo,
Provocando-me cócegas e impressão.
Livro-me de algumas mas o resto pára no meu peito.
Começam a dizer: “Que bela cabeça que tem.
É enorme!” Diz outra: “E nós que sempre pensamos
Que os pés é que eram grandes
E que a cabeça, lá no alto, era pequenina!”
“É uma perspectiva interessante”, exclamei.

Pisco, pisco.
Envolto nos lençóis, vejo as horas. Adormeci.


PS. Isto tudo só para dizer
Que faltaste ao nosso encontro no mundo dos sonhos

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Semana 2


Os teus olhos amendoados, cor de azeitona,
Vivos e alegres, trespassam-me.
São tão sinceros que me deixam envergonhado.
Sim, é uma fotografia. E sim, fui eu que ta tirei.
Mas não consigo evitar corar

Lembraste os dias que ficámos só a olhar
Um para o outro, sem mover um milímetro que fosse,
Porque aquela forma de estar era a melhor do mundo?
Às vezes desviávamos o olhar e lembrávamo-nos que tínhamos fome
Para no segundo a seguir nos esquecermos completamente.
Creio que, sem dizer nada a ninguém,
Inventámos a nossa linguagem.
Nem um ao outro o confidenciámos por palavra.
Mas de vez em quando piscavas-me o olho
Em sinal de confirmação.

Havia alturas que nem precisava de te explicar
Já tu o compreendias
E eu sentia um abraço invisível
Que me levantava e repunha as energias.
Outras era eu que te percebia
E espontaneamente criava piadas, inventava maluquices
E não desistia até o teu olhar se iluminar.
Estou a usar o passado mas isto é presente e futuro!
Sabes que mais?
Tenho saudades de olhar para ti
E se estivesses aqui
Tenho a certeza que me piscavas o olho